"O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar inteligente sobre nós mesmos." (Marguerite Yourcenar)

«Adevăratul loc de naştere este acela unde pentru prima dată ai aruncat asupra ta însuţi o privire pătrunzătoare» (Marguerite Yourcenar)

raulpassos.maestro@gmail.com

28 de abr. de 2010

UN POEM...




Fructul acestei așteptări se coace
În timp ce cel mai mare secret al nostru
Rămâne în întuneric.
Și doar după ce ploaia (sau vântul) se opresc


Va reveni căldură începutului
Dovedim că plăcerea e enigma sămânței (de iubire).
Sau, din nou, stigmatul...
Care întotdeauna nu are nevoie de motiv


Suntem noi scufundați într-un abis,
Fără să ne aventuram în univers,
Imaginar... tot timpul singuri?


Doar din întâmplare... -sau meditație
Poate va exploda o lume mustind de pasiune
Atât de frumoasă... încât noua nu ne mai este permis să trăim în ea...

(traducere în limba română: Marina Crețu)

3 de abr. de 2010

ROMÊNIA: UMA RAPSÓDIA MÍSTICA


          A exemplo de todas as outras mudanças que nos ocorrem durante nossa existência terrena, uma viagem determina uma separação, uma escolha, uma mudança de rumo, mas também uma oportunidade de crescimento. Disse o notável escritor português José Saramago em um dos seus livros: “Nunca sabemos o que há por trás de cada gesto nosso”, e isso bem podemos aplicar à nossa vida prática dizendo que nunca temos consciência plena do que se sucede após cada uma de nossas escolhas.

           A princípio, a Romênia, desde o momento em que a escolhi como país de destino até o momento em que lá cheguei, seria sinteticamente o palco de um momento o qual dedicaria à meu aperfeiçoamento profissional, nessa perpétua e utópica busca pela perfeição. Algo a que nem sempre atinamos, além dos percalços e da natural vocação da vida às surpresas, é que, mais do que qualquer aprimoramento intelectual, buscamos em nosso íntimo um crescimento enquanto seres humanos alimentados pela centelha divina, de forma que é sempre isso que nos move em direção ao desconhecido no afã de evolução, e é sempre melhorados que regressamos de cada uma dessas jornadas.


          Do ponto de vista da minha jornada pessoal, logrei o crescimento profissional que pretendia, e hoje me considero um músico muito mais completo do que aquele que deixou o Brasil. A Romênia foi um mestre poderoso que me estimulou pelo peso e pelo exemplo de sua tradição cultural e desbastou minhas arestas pelo malhete rígido da disciplina e das intempéries da existência. Vivi a sensação dolorosa e angustiante da transição de meu pai na minha ausência, embora tenha aceitado o fato com serenidade, por saber que a missão dele havia sido cumprida com êxito, extinguindo-se com o mínimo de sofrimento e, o mais importante, tendo consigo a mão afetuosa dos meus amigos e dos irmãos obreiros que, tenho certeza, compensaram a minha ausência física.
 
Vivi ainda a dificuldade de burocráticos problemas consulares, a necessidade de repetidas mudanças de residência, o auto-questionamento sobre minhas aptidões profissionais e por muitas vezes tive vontade de desistir. Não o fiz por obra de um misterioso sentimento, que ainda hoje me acompanha e que desconheço parcialmente, mas que foi alimentado pela ternura e pelo afeto que me dedicaram os amigos que por lá fiz, e que hoje digo que foram o maior tesouro que conquistei nessa viagem, e cuja falta sinto em cada dia.

Tive também a alegria de realizar alguns concertos em solo europeu, sonho quase inalcançável para muitos outros músicos de mérito e talento iguais ou superiores ao meu. Procurei representar com dignidade e altivez o nome do nosso país, através da nossa riquíssima música, e creio ter despertado a simpatia e a curiosidade daqueles que me cercavam, face ao insólito de uma cultura tão distante deles.

Pude reparar também no fato de como a religiosidade daquele povo os ampara ante as agruras do cotidiano. Não aquela religiosidade cega, intolerante com as diferenças ou impositiva, mas aquela que é serena, leve e que permeia cada ação dos seus praticantes, como se fosse uma gigantesca e diáfana aura de uma espécie de misticismo coletivo.

Houveram ainda percalços que se converteram em pedras brilhantes: a necessidade de comunicação obrigou-me a aprender a língua romena, tarefa que tomei com prazer, culminando na paixão que o idioma acabou por me despertar. Isso propiciou momentos de grande elevação e outros mesmo lúdicos, sendo que muito do que aprendi devo às minhas colegas de turma, sempre prestativas e calorosas, que não hesitavam em me corrigir e também em dar simpáticas gargalhadas quando eu dizia alguma besteira.

A uma pessoa qualquer, o que eu diria sobre a Romênia? Que é uma país de contrastes, de belíssimas paisagens, de antiqüíssimas lendas, de uma gastronomia peculiar... Mas o que dizer para os habituais leitores desse blog, cujos ouvidos não se contentam com o mel do superficial e cuja curiosidade procura sondar o que há muito abaixo da pele em evidência? Vasculhando os arquivos da minha memória, revisitei essa terra na qual deixei uma parte da minha vida, sem apelar para fotos ou quaisquer outros estímulos que não fossem aqueles propiciados pelo coração e pela intuição, e aí encontrei “um país de companheiros”.

Explico-me: a Romênia é uma país edificado à custa de muita luta e sofrimento, amadurecido pela força da ação dos eventos históricos e apesar da natureza inicialmente rústica e ingênua de seu povo. O processo vivido ao longo de mais de dois mil anos pelos romenos não os poupou em invasões que subjugaram sua soberania incontáveis vezes. Também não faltaram divisões e partilhas territoriais que retalharam seu território separando seus iguais mas também reunindo na mesma pátria povos tão diferentes entre si: lembremos que lá convivem bucovinos, ciganos, húngaros e eslavos. Em pleno século XX, uma ditadura das mais cruéis e desumanas já vistas se impôs sobre aquele povo, provocando um atraso quase secular face aos países da Europa ocidental. No entanto, o árduo de sua história foi também o cinzel que moldou a pedra bruta. O advento da abertura econômica e social do período pós-Ceaușescu forçou os romenos a marcharem em outra direção, antagônica, e ainda é cedo para predizer o futuro do país. Onde antes havia escassez e opressão, hoje imperam a liberdade e os excessos da cultura do século XXI. Uma força os arrastou, em uma fração de tempo infinitamente curta se comparada a toda a sua história, frente à luz ofuscante de um Oriente diferente e, apesar disso, é a grande responsável pelo polimento da pedra. Hoje, a Romênia traz a experiência conquistada pela aridez de sua história e uma grande carga potencial. No entanto, ainda lhe falta a serena maturidade do ocaso para a maestria de seu destino.

No momento da partida, enquanto, a caminho do aeroporto, passávamos de carro pelas já saudosas ruas congestionadas de Bucareste, curiosamente mais do que ansiedade por retornar para casa, sentia uma saudade e uma nostalgia inelutáveis de tudo o que estava deixando. Pensei, calado e olhando pela janela, em todos os obstáculos e em todas as conquistas, no arrastado desse um ano que, por fim, pareceu fugaz como um estalar de dedos, e me lembrei subitamente das palavras que me disse minha amiga Ioana, colega de mestrado,  num dia em que conversávamos no gramado de um parque ao lado da universidade, num momento em que dividia com ela as aflições de um momento conturbado. Sorrindo, ela me disse uma frase de Nietzsche que, seguramente, nunca mais esquecerei: “Trebuie să ai un haos în tine pentru a da naștere unei stele care stralucește”. Em bom português: “É preciso que haja um caos dentro de si para que possa dele nascer uma estrela brilhante”.